segunda-feira, 2 de abril de 2012

A garota abandonada pelas palavras.

Ela estava lá, parada, rabiscando um caderno e puxando alguns fios de cabelo.  O seu rosto estava marcado com maquiagem borrada pelas lágrimas. Eu a observava há alguns dias. Ela sempre sentava perto da janela, pedia um café e um biscoito. 
 A ponta da caneta estava gasta, o papel rabiscado e meio molhado. O que havia com ela?
Sentei-me ao seu lado, pedi à garçonete o mesmo que ela pedira. Ela parou de escrever e olhou pra cima, meio confusa, mas logo um brilho surgiu dentro daqueles olhos negros e interrogativos.  Ela sussurrou em um tom alegre:
– Que bom que você apareceu.
Surpreendi-me ao ouvir aquele sussurro tão espontâneo. “Ela me conhece?”, pensei. Fiquei olhando em seus olhos e ela mordeu os lábios, deu um sorriso, querendo se desculpar, e falou um pouquinho mais alto.
– As palavras. Elas sumiram de mim! Simplesmente me deixaram...
– Como assim?
– Eu escrevia, eu poetizava, eu... Eu não sei mais o que fazer, elas me deixaram.
– As palavras?
– Sim, as palavras.
Ela era maluca! Era só isso o que eu conseguia imaginar. Doida varrida! Como palavras podiam sumir? Mas ela estava chorando, estava aflita, aquilo devia ser sério.
– Ok, -- bati na mesa – vamos procurá-las!
– Já procurei um todo lugar – ela soltou a confidência aos soluços.
– NÃO! Pare de chorar! Eu não gosto de ver você chorando...
– Você sempre me viu chorando aqui na lanchonete.
Encarei.
 – Sim, eu percebi que você estava me observando e, se você não viesse logo, eu mesma iria sentar ao seu lado. Puxa vida, você é meio demorado, indeciso.
Ri da garota estranha que acabara de contar o meu maior segredo. Ela era incrível.
– Onde você acha que as perdeu?
– Perto das árvores, elas gostam de árvores.
– Elas... Gostam de árvores?
– Sim, elas fluem com mais facilidade perto das árvores. E do riacho, é claro.
Árvores, riachos. O que mais ela iria citar? Pássaros?
– Elas gostam de pássaros, mas preferem os gatos.
Tremi um pouco na base, ela leu meu pensamento ou já estávamos interligados?
– Então vamos para perto das árvores e do riacho. – levantei.
Ela levantou, pagou a conta e foi andando.  Chegamos perto de um riacho, ela sentou-se e pegou um papel. Rabiscou, escreveu, rasgou, me olhou... Nada.
– Elas sumiram...
– Alguém pode ter roubado.
– Sim! – Olhou rápida e bruscamente pra mim. – Alguém deve tê-las roubado de mim.
– E quem poderia ser?
– Aquele para quem eu escrevia. – a garota começou a chorar.
Fiquei confuso, como devolver as palavras a alguém? Coloquei as mãos na cabeça, respirei fundo e chorei junto. Aquele desespero dela tornou-se meu. Eu queria de alguma forma poder encontrar aquelas palavras. E que diabos de palavras ela estava falando? Existiam tantas.
De repente, a garota parou de chorar. Estalou os olhos nos meus, que estavam molhados, ajoelhou-se mais perto e pegou uma lágrima que escorria do canto dos meus olhos.
– Por que está chorando?
– Não sei – me rendi, soluçando – Por algum motivo, eu quero encontrar essas palavras que você reclama tanto. Eu sei lá! Vi você chorando e quis ajudá-la. Eu não sou assim, não me importo tanto com as pessoas, mas você me deixou preocupado. Sei que deve estar me achando louco, mas... Mas eu gosto de você. Eu gostei daquele jeito que você veio falar comigo, gostei dessas conversinhas malucas, só não gostei daquele desespero que eu via toda semana na lanchonete. Desculp --
A garota encostou os lábios dela nos meus.
Sorriu, pegou o papel e a caneta, rabiscou várias palavras nele e me entregou. Levantou-me e me abraçou bem apertado.  E, com um sorriso, se afastou cantarolando.
Daquela interrupção até eu não conseguir mais vê-la, me mantive imóvel. E não era por não querer correr atrás dela, era por não conseguir me mexer.
Depois que a garota desapareceu consegui ler o papel rabiscado.
“Obrigada, por me devolver as palavras. Agora estou as sentindo comigo de novo. Aquele que me roubou, bem, esqueça-se dele. Ele não merecia nem uma vírgula. Já você, estranho da lanchonete, merece até um livro por se importar com uma maluca abandonada. Até mais ver.”
O nome da garota abandonada por palavras era Alice Bittencourt. Como eu soube?
Anos se passaram e uma tarde, enquanto eu andava a procura de livros novos numa livraria antiga, me interessei por um livro. O título era “Riacho, árvore e palavras perdidas”. Li a sinopse, abri o livro e vi uma dedicatória: “Para o homem da lanchonete.”. Ri silenciosamente com lágrimas de saudade nos olhos. Alice cumprira o que havia escrito no bilhete.

Eu a devolvi as palavras, ela me presenteou com a maioria delas.

                                                                       Ana Eduarda 3ª A

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